Febre nas crianças

A febre é o principal motivo pelo qual os pais procuram assistência médica, sendo responsável por um elevado número de consultas e idas ao serviço de urgência, provocando sempre alguma ansiedade por parte dos pais.

A febre define-se como uma elevação da temperatura corporal, acima dos valores considerados normais para a criança. Contudo, há que ter em consideração que a temperatura corporal varia de acordo com vários factores: o ritmo circadiano (diário) - sendo mais baixa por volta das 4 horas e mais elevada por volta das 18 horas, com uma variação máxima de 0,6 ºC - a temperatura ambiente, o vestuário, a actividade física, alterações emocionais e também com o local onde se faz a medição.
Desse modo, podemos considerar que uma criança tem febre se tiver uma temperatura rectal superior a 38 ºC, timpânica superior a 37,6 ºC e axilar superior a 37,4 ºC, tendo em atenção que não nos devemos basear num valor único. Habitualmente é mais consensual considerar que a criança tem febre se apresentar uma temperatura axilar superior a 38 ºC, independentemente da idade.

A temperatura corporal é regulada pelo centro termorregulador do organismo, situado no cérebro, mais precisamente no hipotálamo anterior, que funciona como um termóstato. Na presença de febre, o hipotálamo ajusta o ponto de termorregulação para um valor mais elevado, levando o organismo a aumentar a temperatura corporal para atingir esse valor.
Na prática, isso dá origem aos sinais e sintomas comuns de febre como os tremores e arrepios (contracção muscular para produção de calor) e mãos e pés frios (vasoconstrição periférica para preservação de calor).

Na grande maioria dos casos, a febre é desencadeada por processos benignos, funcionando como um mecanismo de defesa do nosso organismo, dando-nos indicações que o nosso sistema imunitário está a reagir a uma agressão externa (como por ex. uma bactéria ou um vírus). Não deve por isso ser vista como uma "doença", mas sim como uma primeira etapa no combate a uma eventual "doença".
Todos nós sabemos que a febre surge habitualmente como resposta a agentes infecciosos (bactérias, vírus, fungos ou outros microrganismos), mas também pode ser provocada por agentes não infecciosos como medicamentos, vacinas, traumatismos ou queimaduras.
Regra geral dura apenas alguns dias e não tem complicações graves.

Os sinais e sintomas da febre podem ser óbvios ou subtis, consoante a idade da criança, sendo mais difícil de avaliar nas crianças mais pequenas. Nos lactentes (crianças com menos de 12 meses), a febre pode manifestar-se por irritabilidade, apatia, sonolência, choro, recusa alimentar, respiração acelerada, alterações dos hábitos de sono/vigília, entre outros.
Nas crianças mais velhas, estas podem queixar-se de sensação de calor/frio, dores corporais, dores de cabeça, dificuldade em dormir ou maior sonolência, diminuição do apetite, etc.

A medição da temperatura deve ser feita utilizando um termómetro. No mercado existem termómetros de vidro, de mercúrio, digitais e timpânicos (auriculares). Os termómetros de vidro têm o risco de partir e a leitura pode demorar alguns minutos. Os termómetros auriculares podem ser usados em crianças mais velhas, contudo, apesar de a leitura ser rápida, têm que ser muito bem colocados para que a leitura seja correcta e podem dar valores alterados caso a criança apresente cera em excesso, ou dar valores mais elevados na presença de uma otite. Os termómetros de mercúrio não devem ser utilizados pelo risco de exposição acidental a este tóxico. Os termómetros mais utilizados e fidedignos são os termómetros digitais.

Em casa, a abordagem da criança, com febre tem três objectivos principais: reduzir a temperatura corporal (<> 38 ºC) e não profilacticamente. Os fármacos mais utilizados em pediatria, pela eficácia demonstrada e pelo reduzido número de efeitos colaterais, são o paracetamol e o ibuprofeno.

O facto de a temperatura não baixar após a administração de antipiréticos não significa que o fármaco seja ineficaz. Nestes casos, podemos recorrer a medidas físicas para ajudar a baixar a temperatura (não devendo ser utilizadas isoladamente). A criança deve ser colocada num ambiente com uma temperatura de 20-22 ºC e com o mínimo de roupa vestida. O banho de água tépida tem maior utilidade nas crianças mais pequenas e consiste na imersão da criança em água 2 a 5 ºC abaixo da temperatura corporal durante 15-20 minutos. Nas crianças mais crescidas, podem utilizar-se esponjas ou compressas.
Não se deve utilizar água fria nem gelo, pois isso impede a libertação de calor (vasoconstrição) e pode mesmo levar a um aumento da temperatura corporal (tremores e arrepios).
A fricção com álcool está contra-indicada devido à toxicidade inerente à absorção cutânea deste tóxico.

A febre faz com que o nosso organismo perca água através da pele e dos pulmões. Torna-se, portanto, fundamental prevenir a desidratação nas crianças. Devemos, por isso, encorajar as crianças a ingerir bastantes líquidos, de preferência sumos (sem cafeína), canja de galinha ou soluções de reidratação oral. A água pode ser dada, mas não possui electrólitos ou glicose suficientes para repor as perdas da criança e o chá não deve ser administrado pois estimula a produção de urina (agravando a desidratação).

Os pais deverão contactar o médico assistente ou recorrer a um serviço de urgência, caso:
- A febre não ceda à administração do antipirético, se mantenha acima de 40 ºC (e o intervalo entre os picos febris seja cada vez mais curto);
- A criança em questão tenha menos de 3 meses;
- Ocorram vómitos mantidos ou uma convulsão;
- Surjam queixas de dores de cabeça que não desaparecem;
- Tremores mantidos (calafrios) durante vários minutos na subida da temperatura;
- A criança apresente dificuldade respiratória, respiração muito rápida ou gemido constante;
- Lábios/dedos muito roxos na subida da febre (em especial se associados aos calafrios);
- Apareçam manchas ou pintas na pele;
- A criança apresente sede ou outros sinais de desidratação decorrentes de vómitos persistentes ou diarreia (olhos encovados, fralda seca, sonolência, pele seca, etc.);
- Palidez intensa mantida (cor diferente da cor habitual da criança);- para além da febre, surjam sinais de localização (dor de garganta ou de ouvido, dor ao urinar, irritabilidade, etc.);
- A criança apresente alterações do estado de consciência, esteja muito prostrada, sempre deitada, não se segurando de pé;
- Os pais achem que ela está a reagir de forma muito diferente do habitual noutras situações de febre.

Autor: pediatras Hugo Cavaco e Sofia Martins

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