Bullying e ciberbullying

Mentiras, boatos, gozo, difamação, exclusão. Situações que fazem parte da vida diária de milhões de jovens. O fenómeno não é novo, mas alastra-se agora pela Internet e propaga-se a outras faixas etárias.
Ao longo de todo um período escolar, um rapaz de 12 anos, de Rio Tinto, foi enxovalhado pelos colegas de turma. Entre muitos outros insultos, chamavam-lhe “surdo”, porque ouvia mal, e “porco”, porque não usava o balneário. Em 2007, Miguel viveu um verdadeiro inferno, amplamente noticiado pelos pais nos mais diversos órgãos de comunicação social. Não bastava estar a ser submetido a tratamentos de quimioterapia e de radioterapia para debelar uma doença oncologia: teve ainda de desistir da escola porque os insultos, que se repetiam diariamente, tolhiam-lhe a alegria.

Esta é, infelizmente, uma das muitas histórias que fazem o dia-a-dia de milhares de crianças e adolescentes em todo o mundo. Dados do relatório da UNICEF “Innocenti Card 7”, de 2007, referem que o bullying é um problema mundial que afecta cerca de um terço de crianças por mês. E, em cerca de 11% dessas crianças, este tipo de abuso repete-se várias vezes por mês.

Em termos concretos, o bullying não é apenas uma simples zanga, desentendimento ou arrufo entre colegas ou amigos. É, de acordo com os psicólogos, uma situação muito mais séria e continuada no tempo. Segundo a psicóloga Ana Tomas Almeida, o “bullying ocorre quando se pensa existir perseguição e humilhação prolongada por parte de uma ou mais pessoas que se servem do seu poder para intimidar outro mais fraco que passa a ser a vítima num relacionamento em que precisamente o poder e a desigualdade dificultam que a última se proteja.”

Num seminário realizado em Junho passado, em Lisboa, denominado “Bullying - prevenção da violência na escola, no trabalho e na sociedade", referiu que uma criança vítima de bullying irá enfrentar no futuro, e como resultado dos traumas provocados por esta prática, muitos problemas que ferem a sua auto-estima: desde distúrbios alimentares, desemprego, problemas de relações humanas, medo de terem os seus próprios filhos e um elevado risco de suicídio.

Do Bullying ao CiberbullyingCom a introdução de novas plataformas tecnológicas no quotidiano das pessoas, nomeadamente o telemóvel com vídeo e câmara fotográfica e a Internet, o fenómeno do bullying tem vindo a alastrar. Estes novos meios tecnológicos funcionam em benefício do agressor, que pode difamar ocultando a sua identidade. Não são raras nem estranhas as situações de manipulação e colocação de fotos e vídeos na Internet com o intuito de denegrir a imagem alheia.

Uma pesquisa feita pelo sítio inglês Girlguiding UK e apresentada recentemente pela BBC, vem comprovar a tendência de crescimento do ciberbullying (difamação através de plataformas tecnológicas). O estudo revelou que quase um terço das raparigas que utilizam a Internet já sofreu algum tipo de agressão ao navegar na rede.

Com o fenómeno em crescimento, especialmente a utilização de fotos e vídeos captados por telemóveis nos ambientes escolares, em 2006, os ministérios da educação grego e italiano proibiram a utilização destes aparelhos nas salas de aula.
Por seu turno, em 2008, no Reino Unido, para além de se terem encetados várias campanhas antibullying nos sítios mais frequentados pelos jovens, nomeadamente no My Space e no Youtube, foi determinado que cada estabelecimento de ensino passava a ter autoridade para proibir ou não o uso dos telemóveis durante as aulas.

Em Portugal, o novo Estatuto do Aluno proíbe os estudantes de levarem telemóveis para as escolas. No entanto, isso não impediu a ocorrência, em Março de 2008, do triste episódio na Escola Secundária Carolina Michaëlis, no Porto. A cena, gravada por um aluno e posta a circular no Youtube, mostrava uma disputa entre uma aluna e uma professora que lhe tentava retirar o telemóvel. Na altura, este episódio, transmitido pelos canais televisivos, chocou os portugueses e instalou a polémica na sociedade. Porque a vítima de bullying, neste caso, não era uma criança ou adolescente – situações tão banais que parecem já não merecer reflexão – mas a própria professora, o que estendia o triste fenómeno a qualquer faixa etária.

Infelizmente, todos os dias nos mais variados sítios da Internet encontramos situações bem mais graves. Pessoas espancadas até à inconsciência, brincadeiras perigosas que culminam em graves danos para a saúde. Um sem fim de situações que mostram o pior do ser humano.
Apesar da existência de leis que regulam estes comportamentos, está provado que isso não é suficiente e que será necessária uma mudança social muito mais estrutural. Essa mudança exigirá sobretudo que a escola, a família e a sociedade como um todo sejam capazes de funcionar como veículos de transmissão e de ensino dos valores - cívicos, éticos, morais - pelos quais se pretendem regular.

Autora: jornalista Paula Pedro Martins (adaptado)

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