A linguagem infantil

Dizem que falar é fácil e difícil é fazer. No entanto, a ciência que estuda os distúrbios da comunicação humana tem percebido que, para algumas pessoas, falar é bastante complicado, sendo uma questão de saúde.
Agindo preventivamente, essa pode tornar-se uma tarefa facilitada, evitando ou minimizando problemas de linguagem e audição na primeira infância.

Durante a gestação inicia-se o desenvolvimento da linguagem através dos movimentos respiratórios e de sucção, que só estarão aptos após o nascimento, isto é, no período da amamentação.
Logo após o nascimento o bebé realiza actividades motoras concentradas na região oral, como a sucção, respiração, mastigação e deglutição, que prepararão toda a musculatura adequadamente, dando condições necessárias para a criança esboçar correctamente os sons das palavras e desenvolver a sua aprendizagem.

Tanto os "gritinhos" e choros como a alta sensibilidade táctil existente na boca do recém-nascido, permitem-lhe conhecer o mundo e relacionar-se com ele. Nesses período, a criança vive situações aprazíveis, reconhece texturas, objectos, activa a sua memória gustativa e, desta forma, organiza o seu esquema corporal bocal que será fundamental na fase de aprendizagem da linguagem oral.

Também ao mamar, a criança realiza movimentos de sensibilização do palato (céu da boca), contracção e relaxamento dos órgãos móveis da face, como a língua, lábios, mandíbula e bochechas. Ela vai conjugando equilibradamente as forças musculares da face e da mandíbula. Esta última vai deslocando-se para frente, pois ao nascer apresenta-se retraída, permitindo a passagem do bebé pelo canal vaginal durante o parto.

Os diversos sons emitidos durante a metade do segundo mês até o terceiro caracterizam a época do balbucio. Nessa fase, a criança vai ganhando mais precisão nesses movimentos e articula sons variando ritmo e intensidade, que ganham significação na comunicação, sendo interpretados como desejo de comunicação, e devem ser incentivados pelos adultos.
Por esses e outros motivos já bastante conhecidos, é muito importante que a criança se exercite mamando no seio, pois as estruturas da região oral estão em formação e necessitam de estimulação para desenvolvê-las harmoniosamente.

Aproximadamente aos seis meses o bebé inicia a imitação voluntária, isto é, a emissão de sons que se aproximam dos produzidos na nossa língua e que serão aperfeiçoados mais tarde. Ainda nessa fase, é introduzida à alimentação da criança uma dieta variada com alimentos mais consistentes, pois a musculatura já está apta a desenvolver novos padrões de linguagem e mastigação.
Em geral, é nesta fase que ocorre o desmame do bebé, que é a introdução de qualquer outro alimento além de leite materno, e a consequente ampliação das relações da criança com o mundo.
No período de seis a sete meses apresentam um balbucio altamente diferenciado. A ausência desta última característica, em geral, aponta para dificuldade severa de audição ou ainda um atraso no desenvolvimento geral da criança.

Estimular o aleitamento exclusivo no seio até os seis meses é fundamental no aprimoramento das funções da respiração, sucção, mastigação e deglutição porém, é preciso considerar que após este período algumas mães mantém a forma de alimentação baseada apenas na sucção. Esta atitude deve ser melhor avaliada, pois a criança no seu desenvolvimento natural deverá alcançar funções motoras mais elaboradas, como a mastigação, que favorecerá o fortalecimento das estruturas envolvidas na fala.

Assim, como se espera que a criança vença as etapas do sentar, engatinhar, ficar de pé até caminhar, e cada uma delas é importante para a fase posterior, atrasar a passagem de novos padrões de alimentação prejudica o desenvolvimento das funções orais, pois fixa o padrão de sucção, mantendo posturas inadequados da língua e lábios para a mastigação, respiração e fala. As funções mais prejudicadas são a linguagem e mastigação, porque necessitam de estímulo e aprendizagem.

Alguns cuidados devem ser observados pelos responsáveis para prevenir alterações neste campo, tais como verificar a postura da criança ao dormir, evitando o descanso das mãos sob a face, a obstrução nasal crónica, lábios entreabertos, para que não haja deformações faciais que alterem a oclusão dentária ou o padrão respiratório nasal.
Evitar patologias auditivas que prejudicam a discriminação dos sons da fala.
Verificar se o furo do biberão apresenta o tamanho adequado, além de posicionar o biberão não muito verticalizado, para exigir do bebé o exercício da sucção e não apenas a deglutição.
O hábito vicioso de chupar o dedo, chupeta, assim como de outros objectos, deve ser evitado em todo período de desenvolvimento infantil.

Nos primeiros anos a região oral apresenta maior plasticidade, podendo ser erradamente modelada pela introdução de objectos ou posturas, provocando deformações, como flacidez labial e encurtamento do lábio superior, impedindo a vedação do mesmo; flacidez lingual que empurram os dentes gerando mau posicionamento deles na arcada, durante o seu aparecimento; aprofundamento do palato com consequente estreitamento da região nasal, aumento da produção da saliva e baba durante a noite; respiração bocal oferecendo pouca oxigenação cerebral com prejuízos na concentração da criança e consequentemente na aprendizagem.

Há também uma maior susceptibilidade às doenças respiratórias de repetição, que culminam na fixação de um padrão respiratório inadequado de fala, mastigação e deglutição, além, é claro, de ser anti-higiénico. Portanto o falar está directamente relacionado à saúde revelando as condições orgânicas existentes.

Somente a condição anatómica dos órgãos da fala não garantem a sua boa dicção, é preciso considerar também o estímulo que a criança recebe para utilização destas estruturas.
Alguns adultos reforçam as palavras ditas erradamente com um "estilo" infantil, o que significa dizer que "ensinam o errado " não dando chance à criança de perceber o correcto.

Muitas crianças apresentam boas condições orgânicas, porém, não têm necessidade de nomeação dos objectos, acções e pessoas, pois são compreendidas por todos ao apontá-los. Deve-se propiciar à criança experiências variadas como a nomeação dos seus actos, objectos e partes do corpo sem auxiliá-las, apenas reforçando.

Algumas crianças apresentam um atraso na linguagem, ultrapassando a idade de dezoito meses, sem pronunciar uma só palavra. Esse comportamento pode expressar a falta de estímulo verbal oferecida a criança ou até mesmo ser um primeiro sinal da sua dificuldade de contacto com o mundo.
Pode revelar a presença de muitas patologias como surdez congénita, síndromes, comprometimento de aspectos psicoemocionais que caracterizam o autismo, entre outras.

As alterações na fala tornam-se diferenças no "mundo dos falantes" e para muitas crianças essas alterações causam dificuldades no convívio em grupo, principalmente na fase escolar. A criança pode ser alvo de constrangimentos, pois ela é percebida apenas pela sua dificuldade. Nesse período é comum receber "apelidos", que por vezes permanecem ao longo do seu desenvolvimento, resultando em prejuízos emocionais que prejuficam o convívio social.

Estimular a aquisição e superação de cada fase no processo da comunicação oral é fundamental para a saúde da criança. É preciso que pais, profissionais de educação e saúde procurem desenvolver medidas preventivas procurando o acompanhamento regular da criança desde o seu nascimento. A identificação precoce de alterações no campo da linguagem pode evitar o aparecimento de dificuldades de aprendizagem e patologias.


Autora: Rosane Paiva da Silva

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