Violência doméstica

O testemunho de violência entre o casal por parte do menor pode ser entendido como uma forma de abuso psicológico, uma vez que a criança vai viver num clima de medo constante, sendo o seu mundo marcadamente confuso, assustador e inseguro.

"Distúrbios causados em crianças de tenra idade por assistirem à violência ou agressão física/psicológica que o pai perpetra sobre a mãe e formas de ajudar essas crianças, especialmente quando tentam imitar o cônjuge agressor e exercer o mesmo género de agressão sobre a mãe."
Filomena Martins

O impacto negativo que o testemunho de cenas de violência conjugal tem sobre as crianças é frequentemente menosprezado. Erradamente, muitas pessoas, inclusivamente alguns profissionais, acreditam que as crianças apagarão da memória a violência, se não se falar muito sobre ela.

O testemunho de violência entre o casal por parte do menor pode ser entendido como uma forma de abuso psicológico, uma vez que a criança vai viver num clima de medo constante, sendo o seu mundo marcadamente confuso, assustador e inseguro. Note-se que testemunhar violência pode mesmo alterar a trajectória desenvolvimental da criança ao longo do tempo, uma vez que as suas necessidades básicas vão ser sistematicamente atropeladas.

Embora esta forma de violência não deixe marcas físicas, origina problemas emocionais, cognitivos e comportamentais muito sérios. Segundo os estudos, os menores que assistem a cenas de violência familiar apresentam défices ao nível da competência social, menor capacidade de resolução de problemas, temperamento agressivo e dificuldades ao nível da realização académica. Sentimentos de medo, culpa, vergonha, tristeza, insegurança e confusão são também muito típicos nestas crianças. Estas apresentam também frequentemente sentimentos de grande ambivalência quer em relação ao ofensor, quer em relação à vítima. No que se refere ao agressor, podem manifestar simultaneamente preocupação em relação ao seu bem-estar e medo.

Relativamente à vítima, que geralmente é a mãe, podem apresentar, por um lado, simpatia e apoio e, por outro, podem sentir ressentimento, desrespeitando as suas opiniões e escolhas.

Uma outra consequência negativa para a criança que resulta da sua exposição à violência do casal é a interiorização de que a violência é uma estratégia útil na resolução de conflitos, tolerando assim mais facilmente o comportamento agressivo e agindo da mesma forma perante os pares e outros adultos.

Face a tudo o que foi referido, é inevitável questionarmo-nos sobre o que fazer para ajudar estas crianças. Tal como as crianças que são alvo de violência, as crianças que a testemunham precisam de protecção e beneficiam com a intervenção psicológica. Ao longo desta intervenção, são incentivadas a falar acerca do que viram e da sua percepção relativamente às ocorrências de violência. O uso da terapia lúdica e da terapia pela arte pode ser muito eficaz em crianças de tenra idade. Quando se trata de crianças muito novas, a intervenção deve envolver também a vítima, que geralmente é a mãe.

Quanto mais fragilizada esta estiver, maior é o nível de problemas emocionais e comportamentais apresentados pela crianças. Daí que a intervenção junto dela seja fundamental. Se a saúde psicológica da figura materna, o seu bem-estar e estabilidade forem assegurados, o equilíbrio emocional da criança será mais facilmente atingido.

Sendo a violência doméstica um fenómeno tão comum na nossa sociedade, torna-se urgente ajudar a quebrar o silêncio dos mais pequenos, uma vez que estes são sem dúvida as vítimas mais frágeis e mais frequentemente esquecidas!

Bibliografia: Machado, C. & Gonçalves, R. (Coords.) (2002). Violência e Vítimas de Crimes. Coimbra: Quarteto

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